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/Cidadania e Responsabilidade Social


Artigo publicado no livro Mídias Comunitárias Juventude e Cidadania – Ed.Autêntica

_Por Andréa Henriques e Graciana Rizério

INTRODUÇÃO

A Rede Jovem de Cidadania, iniciativa discutida ao longo deste livro, é uma experiência concreta de articulação de conhecimentos e potencialidades de diversos atores na construção de uma importante rede de promoção do desenvolvimento social. No projeto, a ONG Associação Imagem Comunitária articulou sua consistente proposta de comunicação para a cidadania ao amplo programa de responsabilidade social da empresa Petrobras, gerando a sinergia que deu início ao hoje reconhecido e premiado projeto. A estas duas instituições somaram-se outras centenas, muitas delas parceiras de longa data da AIC e outras que vieram da rede de relacionamentos da Petrobras.

Tendo como ponto de partida esta experiência exitosa, nosso objetivo com este artigo é estimular uma reflexão sobre o conceito Responsabilidade Social, contextualizando a sua importância para a justiça social no Brasil e para o desenvolvimento sustentável da nossa sociedade e das gerações futuras.

A expressão Responsabilidade Social é, na maioria das vezes, direcionada para a contribuição das empresas privadas no desenvolvimento de iniciativas que visem à valorização do ser humano e à preservação e conservação de culturas, comunidades e meio ambiente. O movimento da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) recebe cada vez mais estímulos para a construção e adoção de novas práticas e políticas estruturadas, sendo incorporado como uma visão estratégica de sustentabilidade. Esta tendência gera um grande impacto positivo, pois as empresas possuem um poder de articulação e uma capacidade de gerar recursos que contribuem de forma estrutural para o desenvolvimento integrado.

Mas não podemos concentrar apenas neste segmento da Responsabilidade Social. Abordaremos uma dimensão mais ampla deste conceito, considerando que o ser humano é o grande agente de todas as iniciativas, sejam elas empresariais, governamentais, institucionais ou individuais, e que a Responsabilidade Social é um valor pessoal e coletivo, que está nas decisões e atitudes do cotidiano.

DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

Para contextualizar o movimento da Responsabilidade Social na sociedade contemporânea, abordaremos o tema em três pilares: Responsabilidade Social Individual, Coletiva e Empresarial, para que possamos compreender melhor a relação existente entre a sua essência e a dinâmica do desenvolvimento sustentável.

Responsabilidade Social Individual

Qual é o papel de cada cidadão, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária?

Esta é uma análise complexa, pois requer uma auto-avaliação constante sobre qual é a nossa postura ativa diante dos problemas que cercam o nosso dia-a-dia. Adotar uma postura socialmente responsável vai além dos paradigmas da sociedade contemporânea, na qual um estilo de vida orientado para o consumo e o individualismo faz com que a maior parte das pessoas tenha uma posição de espectadora dos problemas sociais, se isentando da sua responsabilidade como cidadã, que também tem deveres a serem cumpridos. Nos apegamos muito mais à “Cartilha de Direitos do Cidadão” do que à avaliação real do nosso papel. É claro que não podemos adotar posturas radicais, que preguem uma pretensa negação do sistema capitalista, mas ter consciência dos nossos atos e responsabilidades como consumidores cidadãos é o começo de uma caminhada fundamental para a construção do futuro que tanto queremos para as próximas gerações.

Esta consciência direciona o nosso senso crítico para a situação social atual, considerando as relações de causa e efeito e nos fazendo rever atitudes a partir de uma visão integral dos problemas. Quando esta consciência se torna coletiva, o impacto das pequenas ações pode ser ampliado.

O desafio para a disseminação deste processo é a avaliação do seu resultado, principalmente quando os resultados finais da transformação desejada não são imediatos, mas graduais.

Em nossos treinamentos na área de gestão social, aplicamos uma pesquisa que questiona a adoção de algumas práticas de responsabilidade social e o grau de importância delas para cada um. Com poucas exceções, os resultados demonstram uma sociedade que ainda adota uma postura de cobrança do ideal, mas que não consegue implementar em seu cotidiano o que julga ser correto. E estamos falando de um público com formação acadêmica e envolvido com a questão social.

Esta é uma realidade comum em nossa sociedade, onde ainda se é incorporada uma postura de reação, quando se deveria investir na capacidade de cooperação. Somos todos imprescindíveis e chamados a uma participação ativa e co-responsável, não mais podendo nos isentar de responsabilidades que estão ao nosso alcance e continuar julgando o “sistema” por não garantir uma estrutura pública que atenda as necessidades de uma sociedade que não participa como protagonista do seu desenvolvimento.

Nosso papel como cidadão consciente do impacto de nossas atitudes, reflete em uma cadeia de fatores responsáveis também pelo desenvolvimento sustentável mundial.

A Responsabilidade Social Individual deve ser trabalhada no sentido de direcionar o nosso senso crítico sobre a necessidade de uma mudança íntima, que contribua para a adoção de atitudes dignas, tendo bom senso e respeitabilidade para avaliar, julgar e exigir determinadas posturas de nossos governantes, empresários e demais protagonistas.

Responsabilidade Social Coletiva

A consciência coletiva é um elemento fundamental para a compreensão, conquista e manutenção do equilíbrio social.

No entanto, ainda encontramos resistência quando se trata de não cuidar apenas dos próprios atos, mas de agir para a mobilização de outros. A cultura de isolamento, de foco exclusivo em trabalho, estudo e carreira e de desvalorização dos espaços de convivência e atuação pública, deixa essa seqüela: a dificuldade em interagir pró-ativamente com outros cidadãos. Este cenário também se reflete nas instituições, que enfrentam dificuldades para otimizar resultados por meio da união de objetivos e da divisão de responsabilidades.

Um movimento que vem contribuindo para reverter este cenário é o protagonismo social de milhares de brasileiros, cuja atuação, de forma organizada, tem gerado capacidades de ação coletiva que contribuem para melhorar a qualidade de vida das comunidades, e, a cada dia, tem conquistado espaço entre cidadãos e organizações, no sentido de institucionalizar causas e objetivos sociais, consolidando o chamado Setor Cidadão ou Terceiro Setor.

No Brasil, denomina-se Terceiro Setor o conjunto de organizações de direito privado de fins não econômicos, com um propósito social ou comunitário. Esta capacidade de organização da sociedade civil para o desenvolvimento de ações articuladas é o resultado de uma tendência que anima as pessoas em direção à cooperação, com uma postura muito mais pró-ativa do que reativa. Um exemplo dessa tendência foi o sucesso da Campanha Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, idealizada e liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, durante o período de 1993 a 1996, que contribuiu para a sistematização das atividades sociais no Brasil. A partir daí, registrou-se a existência de inúmeros grupos de cidadãos brasileiros, com ações incríveis e iniciativas de aproximação e articulação com empresas privadas, públicas e órgãos governamentais para tratar das demandas sociais básicas.

Com a institucionalização desses grupos e a intensificação do protagonismo social no Brasil, desenvolve-se um novo espaço público denominado não-estatal, onde se situam os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e representantes do poder público, para se tratar da gestão da Questão Social brasileira. Um documento importante para a compreensão do Terceiro Setor brasileiro é o relatório resultante da pesquisa “As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil – FASFIL”, realizada pelo IBGE em 2002. De acordo com este relatório, há no Brasil 276 mil fundações e associações registradas. Destas entidades, 62% foram criadas a partir da década de 1990, sendo que, no período de 1996 a 2002, o número de entidades passou de 105 mil para 276 mil, um crescimento de 157%, sendo que, no mesmo período, o crescimento das empresas privadas apresentou um índice de 66%. Algumas estimativas, conforme dados fornecidos pela Ashoka Brasil, sustentam que, atualmente, há um milhão de associações cidadãs no Brasil. É um número expressivo de grupos de cidadãos atuando como sujeitos políticos no enfrentamento da pobreza e da miséria a partir da constituição e consolidação de vínculos sociais.

Com o intuito de estimular o empoderamento das comunidades para combater a fome, a miséria e a injustiça social, as instituições do Terceiro Setor vêm adotando novos modelos de gestão, investindo na profissionalização das equipes técnicas e defendendo novos caminhos de alianças e parcerias com os demais setores, o que contribui muito para a boa aplicação dos recursos captados para os projetos.

Essa postura vem conquistando a confiança do Segundo Setor, representado pelas empresas privadas, e do Primeiro Setor, representado pelas instituições de interesse público, que são mantidas pelo poder público (governos) e que existem para servir diretamente o público em geral. Estes segmentos da sociedade estão descobrindo que alianças com entidades do terceiro setor geram recompensas significativas e fortalecem a atuação social, que passa a ser mais próxima das comunidades, com maior conhecimento da realidade a ser trabalhada e com critérios que não passam pela burocracia dos programas sociais do governo.

Uma importante tendência a ser destacada é a do trabalho em rede. Trata-se de um processo de captação, articulação e otimização de energias, recursos e competências. Essa soma de esforços é capaz de gerar um sistema de relacionamento que organiza indivíduos e instituições em torno de objetivos comuns.

É possível identificar várias formas de redes estruturadas e em articulação: as redes de educação digital, redes de televisão, de educação ambiental, redes de geração de trabalho e renda, redes de serviços, redes de líderes sociais e redes de informações para o terceiro setor. Esses movimentos representam um espaço aberto de encontros para formulação de propostas, articulação de ações, debates teóricos e práticos e troca de experiências que estimulam o empoderamento das comunidades por meio da informação e do fortalecimento de interesses.

Sendo virtuais ou presenciais e apresentando formatos diferenciados, as redes possuem características comuns, tais como: estruturas flexíveis, dinamismo, interdependência, poder de decisão descentralizado, multi-lideranças, objetivos compartilhados, composição multidisciplinar e multisetorial, fluxo permanente de informações, empoderamento e autonomia dos participantes. Observa-se, ainda, que as redes estão sempre abertas a novas parcerias, além de estabelecerem princípios de participação compartilhada e construção coletiva.

A partir desta noção de rede, podemos fazer um paralelo com a cooperação intersetorial, onde cada parceiro oferece o seu talento e a sua competência para a realização conjunta de propostas de intervenções sociais, culturais e ambientais. No entanto, existem dificuldades na gestão dos interesses, que muitas vezes, por problemas de comunicação, comprometem todo o processo. A inexperiência dos três setores em trabalhar no formato de rede afirma a necessidade de investir na colaboração como prática de responsabilidade social coletiva e no aprendizado com a convivência dos opostos complementares.

Responsabilidade Social Empresarial

É crescente o interesse empresarial em desenvolver iniciativas que agreguem valor social às suas atividades.

Vários fatores podem motivar essa atuação: pressões externas (legislações ambientais, movimentos dos consumidores, atuação dos sindicatos, reivindicações das comunidades); pressões de natureza econômica (necessidade de adoção de padrões sociais, trabalhistas e ambientais exigidos no comércio internacional e pelos códigos de conduta e certificações); algum tipo de benefício (incentivos fiscais, aumento da preferência do consumidor, fortalecimento da imagem da empresa) ou questões de princípios (quando esses valores estão inseridos na cultura da empresa, orientando todas as suas ações e norteando as relações com fornecedores, clientes, governo, acionistas, meio ambiente, comunidade).

Para entendermos melhor o contexto histórico da evolução das empresas na adoção de práticas que valorizem o seu papel como agentes transformadoras no processo de desenvolvimento, faremos um breve resgate deste recente cenário.

Nos anos 60, alertava-se às empresas para tratarem seus funcionários não como máquinas, mas como indivíduos cuja criatividade poderia ser otimizada por meio de práticas administrativas “iluminadas”. Nos anos 70, o planejamento estratégico ofereceu uma forma de pensar sobre como construir e administrar os negócios da empresa em ambientes turbulentos, estimulando um novo olhar sobre a influência da sua cadeia produtiva no alcance dos objetivos. Nos anos 80, excelência e qualidade receberam muita atenção como novas fórmulas para o sucesso, sendo o setor de Recursos Humanos o principal agente mobilizado para a adoção das novas formas de trabalho. Finalmente, nos anos 90 e início deste novo século, as empresas alcançam um novo estágio de consciência coletiva, reconhecendo a importância de investirem em ações que vão além da obrigação de respeitar as leis, pagar impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde para os trabalhadores.

No entanto, este é um movimento que gera um desafio para as empresas, pois para assumir uma identidade “socialmente responsável” ela precisa seguir um caminho coerente, no qual os valores e objetivos institucionais estejam incorporados à gestão sistêmica da empresa para que esta pratique, com a sua rede de relacionamentos, os valores que declara. Ou seja, não adianta dar benefícios e oportunidades a seus funcionários e não ser transparente com seus consumidores e fornecedores, ou investir milhões em um projeto comunitário e poluir os rios próximos de suas fábricas, ou ainda, preservar florestas no Brasil e comprar componentes de um fabricante que explora mão-de-obra infantil.

Estes são conceitos que ainda assustam muitos empresários, uma vez que não se sentem preparados para assumir tamanha “Responsabilidade Social”. Na maioria das vezes, algumas iniciativas são adotadas, mas não incorporadas às políticas das empresas, o que faz com que não se fortaleçam. Uma organização que realiza esporadicamente projetos sociais terá resultados mínimos se comparada a uma empresa que insere no seu planejamento estratégico, ações sistematizadas de responsabilidade social empresarial.

Um caminho de sucesso para a realização e sustentabilidade de projetos de Responsabilidade Social Empresarial, é a articulação com instituições que desenvolvam iniciativas convergentes com os valores defendidos pela empresa. A efetivação de parcerias com ONGs contribui para o estreitamento das relações com as organizações locais, regionais ou nacionais que atuam com o mesmo foco, além de aproximar a parceria com o Estado e facilitar a participação no processo de melhoria das condições de vida das comunidades. O objetivo maior destas parcerias é potencializar os saberes e otimizar os resultados, contribuindo para a continuidade das ações.

Não existe uma fórmula geral de Responsabilidade Social Empresarial; há que se considerar o contexto em que cada instituição está inserida. Contudo, a seguir, citamos como referência alguns passos básicos listados por Cláudia Vassalo no Guia de Boa Cidadania Corporativa, publicado pela Revista Exame em 2000.

” Desenvolva uma missão, uma visão e um conjunto de valores a serem seguidos.

” Para que a Responsabilidade Social seja uma parte integrante de cada processo decisório, é preciso que ela faça parte do DNA da companhia – seu quadro de missões, visões e valores. Isso leva a um comprometimento explícito das lideranças e dos funcionários com questões como ética nos negócios respeito a acionistas, clientes, fornecedores, comunidades e meio ambiente.

” Coloque seus valores em prática. Este é um princípio fundamental. De nada adianta ter um maravilhoso quadro de valores na parede do escritório se eles não são exercitados e praticados a cada decisão tomada?

” Promova a gestão executiva responsável. Trata-se de um exercício diário e permanente. É preciso fazer com que cada executivo leve em consideração os interesses dos seus partícipes antes de tomar qualquer decisão estratégica.

” Comunique, eduque e treine. As pessoas só conseguirão colocar valores de cidadania corporativa em prática se os conhecerem e souberem como aplicá-los no dia-a-dia.

” Publique balanços sociais e ambientais. Elaborados por especialistas e auditores externos, eles garantem uma visão crítica de como acionistas, funcionários, organizações comunitárias e ambientalistas enxergam a atuação da empresa.

” Use sua influência de forma positiva. O mundo corporativo é formado por uma grande rede de relacionamentos. Use os valores cidadãos de sua empresa para influenciar a atuação de fornecedores, clientes e companhias do mesmo setor.

Apesar de serem potenciais financiadoras, o papel das empresas não é apenas disponibilizar recursos para o financiamento de projetos. Para garantir os impactos idealizados, é muito importante que haja participação, comprometimento ético e co-responsabilidade no processo de desenvolvimento social, prospectando as ações em aliança e parceria com representantes dos três setores.

CONCLUSÃO

O aprendizado individual começa a partir da conscientização sobre os valores que regem a vida em sociedade, formados pelas relações pessoais, coletivas, institucionais e empresariais.

Esta consciência deve ser vista e trabalhada de forma simples e cotidiana, onde cada cidadão assume um compromisso com a comunidade em que está inserido, contribuindo para a efetivação de práticas de empreendedorismo social, onde a co-responsabilidade pode e deve ser valorizada por meio das alianças.

O diálogo entre a sociedade, o poder público, as organizações da sociedade civil e as empresas privadas está firmado, tendo como desafio a gestão desta rede de atuação complementar. A coexistência harmoniosa das diferenças fortalece o potencial de estruturação, ação e impacto das redes, promovendo um encontro de experiências e realidades com origens diferentes, mas que apresentam objetivos comuns.

O atual cenário convida todos a participarem deste movimento de Cidadania e Responsabilidade Social, com uma postura de cidadão consciente e pró-ativo diante dos problemas e oportunidades de desenvolvimento do Brasil.

 

_Por Andréa Henriques (Historiadora) e Graciana Rizério (Relações Públicas), consultoras em elaboração de projetos e captação de recursos.