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/O design revolucionário e educador de Águida Zanol
ENTREVISTA (25/07/2015)
Águida Zanol é uma artista, uma designer que se especializou nas áreas de confluência entre o meio ambiente e a moda e se destacou pela criatividade e ousadia de um trabalho feito com materiais extraídos do lixo. Desenvolveu uma tecnologia própria para o aproveitamento de resíduos como matéria-prima para a criação de produtos e fez da iniciativa um instrumento de promoção social. É uma das fundadoras do Instituto Reciclar-T3. A sigla se refere ao Instituto de Pesquisa, Criação e Capacitação para o Design Ambiental, organização não governamental, sem fins lucrativos, cuja missão é buscar soluções para a redução do desperdício e fomentar a produção e o consumo sustentáveis.
Blog do Lixo – Você está de mudança para a Califórnia, nos Estados Unidos. Como ficará o T3?
Águida Zanol – O T3 continua com suas ações, buscando motivar as pessoas a repensarem os seus modos de viver, consumir e gerar resíduos. Já são vários projetos que buscam a transferência de tecnologia para a criação de produtos ecosustentáveis, utilizando o lixo como matéria-prima. O trabalho do instituto valoriza o conhecimento ancião e é inspirado nos pilares da Agenda 21 (ONU 1992), que defende um maior equilíbrio das questões relativas ao meio ambiente, inclusão social e desenvolvimento sustentável. Um novo projeto está em fase de elaboração para iniciar a implantação de uma UPOM (Unidade Produtiva de Outros Materiais) no próprio instituto, com o objetivo de envolver a comunidade e talentos do entorno na transformação de resíduos sólidos recicláveis em matéria-prima para produtos sustentáveis. Estamos buscando novos colaboradores e parceiros.
O que a fez escolher outro país após tantos anos de lutas e conquistas no Brasil?
Trata-se de uma oportunidade para avançar no trabalho que desenvolvo há mais de quinze anos, e que se apresenta como modelo de negócio sustentável no comércio justo e solidário. Nosso desafio agora é articular um projeto de cooperação internacional entre Brasil, Alemanha e Estados Unidos. O Brasil é minha pátria amada, mesmo com todos os problemas sociais, econômicos, ambientais, sou brasileira com muito amor, visto nossa bandeira lá fora e tenho orgulho de ser brasileira. Quero criar um diálogo maior sobre a transformação de resíduos sólidos recicláveis em processos e produtos sustentáveis. Tenho muito o que aprender, isto é fato, mas é muito bom poder fazer o que a gente gosta e acredita.
Como você usa o design para fazer as pessoas repensarem sua relação com o lixo? Mostrando o avesso do design; desconstruindo o “produto” (resíduo) e compartilhando um modo de fazer diferente. Usando a criatividade como ponto de partida, a desconstrução de paradigmas onde o tocar, sentir, experimentar, ousar é permitido. Procuro reencantar através do olhar, com um produto transformado e pronto para a linha de produção, tendo em vista todos os processos de uma cadeia produtiva e o ciclo de vida de cada material. Em tudo temos design. O design tem um papel relevante na vida de cada um de nós. Basta considerar que tudo que está à nossa volta passou, um dia, pelas mãos de um designer: objetos que utilizamos para nos alimentar, as embalagens dos alimentos, nossa roupa, acessórios, móveis, casa, escola, universidade, hospitais, etc, tudo o que consumimos. O design pode e deve ser sustentável, e o que é mais interessante, é possível, basta mudar o olhar.
Qual o impacto maior de se trabalhar com o lixo? De um lado, o maior impacto é mudar a relação com as “coisas” (o que consumimos, como separamos e como enxergamos o lixo); de outro, as pessoas; como é nossa relação com o outro? Quando falamos em transformar resíduo em matéria-prima, entramos num campo onde o que importa são os valores que carregamos no nosso dia a dia; não existe raça, cor, classe social, o problema é de todos e tudo é uma questão de consciência sobre o que deixaremos para as próximas gerações. O lixo no contexto do processo construtivo, e visto sob uma outra ótica, se torna economicamente viável, agrega valor ao descartado, impacta culturalmente, envolve pessoas, aponta para novas tecnologias, desenvolve o lado criativo de cada um e permite ganhar tempo para encontrar melhores soluções para o volume de lixo que hoje é gerado no mundo.
Esse processo encerra o conceito dos 3 R’s (reduzir, reutilizar e reciclar)?
Sim. Reduzir, reutilizar e reciclar é a lógica que podemos incorporar ao lixo. Reduzir, porque precisamos repensar o que consumimos e o lixo que produzimos. É preciso mudar de hábitos e incorporar novos valores. Reutilizar é repensar o resíduo antes dele virar lixo, fazer com que ele tenha uma nova função. O ato de reutilizar desenvolve a criatividade, diminui nosso impacto ambiental sobre o planeta e pode gerar renda para comunidades. O Reciclar é um processo, na maioria das vezes, ligado à atividade industrial, e costuma consumir muita água e energia. Quando falamos em reciclar, isso serve apenas para os materiais que podem voltar ao estado original e serem transformados no mesmo produto, igual em todas as suas características. A reciclagem é um terceiro passo no esforço para o consumo consciente, depois da redução e da reutilização.
O que podemos esperar do design no século XXI?
Vejo que o design já absorveu muita informação baseada nos princípios de sustentabilidade, refletidos não só na parte externa dos produtos, mas também na inovação tecnológica nele embutida, o que representa um cenário bem mais consciente da necessidade de termos menos resíduos e mais inovação. O design aproxima o consumidor da reflexão sobre os processos porque passam os bens que consumimos, sendo cada vez mais necessárias as tecnologias que prolonguem a vida útil dos resíduos e ganhem tempo para encontrar novas possibilidades de transformação dos materiais. Precisamos de um reencantamento, de enxergar a vida de um jeito diferente e o designer tem essa oportunidade como ponta de lança para um olhar sustentável, pois ele também permite trabalhar o belo e reconectar as pessoas. Reaprender a ser simples é atualmente um dos maiores desafios no mundo consumista em que vivemos.